Um milhão e meio de pessoas no Vale do Anhangabaú (16 de abril de 1984) |
AS DIRETAS JÁ,
maior manifestação popular pela democracia plena na história do Brasil começou
de maneira bem singela numa cidade recém emancipada: Abreu e Lima/PE. Uma
cidade com apenas 17.625 eleitores, porém muito ativa politicamente, situada na
região metropolitana do Recife, havia conquistado a emancipação política da
cidade do Paulista no dia 14 de maio de 1982. Mas, agora almejava ir além: a
conquista do direito de escolher o presidente da república.[1]
Era 31 de
março de 1983, um dia em que os militares comemoravam o aniversário dos
dezenove anos do Regime Civil-Militar no Brasil, e um grupo de quatro
vereadores ousavam desafiar as autoridades para defender a democracia plena. A cidade
já tinha escolhido seus vereadores e prefeito. Mas, a sede pela liberdade
democrática desejava ainda mais.
Eram dias
difíceis, os recém-empossados vereadores José da Silva Brito, Antonio Amaro
Cavalcanti (ambos falecidos), Severino Farias e Reginaldo Silva escolheram a
Praça da Bandeira para reunir a população e começar o movimento pela plena redemocratização.
O número foi resumido, pois o clima ainda era tenso, nem o fotógrafo da cidade
quis comparecer com medo das represálias.
Não há nenhum
registro fotográfico do evento senão os testemunhos daqueles que deram o primeiro
grito. O medo ainda imperava, mas não impediu o movimento histórico que foi aos
poucos se espalhando por outras cidades em efeito cascata. Os partícipes da
manifestação não faziam idéia que estavam se transformando nos precursores de
um movimento de dimensões continentais. “No dia 31 de março de 1983 – data em
que os ditadores comemoravam o golpe que nos jogou na escuridão da ditadura –
lá aconteceu a primeira manifestação pública a favor das DIRETAS JÁ. Contava
com menos de 200 manifestantes mobilizados pelo PMDB”.[2]
É neste
contexto que os vereadores de Abreu e Lima se tornam pioneiros, pois no dia em
que os militares estavam organizando um desfile cívico no centro da cidade, os
corajosos políticos desafiavam os sistema organizando o primeiro comício pelas
Diretas já na história do Brasil.
Praça da Bandeira, Abreu e Lima/PE. |
O movimento
era suprapartidário, e milhões de brasileiros embarcaram em comícios pelas ruas
do Brasil pedindo as eleições diretas para presidente da república. Direito
suprimido desde 1960, quando ocorreu a última eleição direta para presidente
que colocou Jânio Quadros como chefe maior do Estado Brasileiro. Com a
promulgação, pelo regime de 1964, do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro
de 1965, e como definido em seu artigo 9º, o presidente e vice-presidente da República
passaram a ser eleitos por maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional,
em sessão pública e votação nominal, a chamada “eleições indiretas”, assim o
povo brasileiro perdeu o direito de escolher seu presidente através do voto
direto.
Com a Constituição
de 1967, promulgada a 24 de janeiro, através de seu artigo 74, o presidente da
República passou a ser escolhido através do voto do Colégio Eleitoral, composto
dos membros do Congresso Nacional e de delegados indicados pelas assembléias
legislativas dos estados, cujo número final era determinado pela
proporcionalidade do número de eleitores inscritos em cada estado. Em 1982, o
governo uniformizou a representação das assembléias legislativas estaduais no
Colégio Eleitoral, atribuindo seis representantes indistintamente a cada
estado.[3]
O governo Figueiredo
já estava redemocratizando lenta e gradualmente o sistema político brasileiro
com as eleições diretas para os governos estaduais. Em março de 1983 o deputado
federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou ao Congresso Nacional uma emenda
constitucional propondo o retorno das eleições diretas para presidente e vice-presidente
que só foi votada na madrugada do dia 24 para 25 de abril de 1984. Até lá, o movimento
precisou ganhar força.
Os comícios se
espalhavam pelas ruas culminando na união de partidos de oposição, da
população, da grande mídia, artistas famosos, atores globais, e dos
governadores. A base política de sustentação dos militares estava rachada, o
povo ia às ruas com as cores e bandeiras nacionais entoando o refrão: “um,
dois, três,/ quatro, cinco, mil,/ queremos eleger/ o presidente do Brasil.”
Milhões de brasileiros foram às ruas.
O presidente
da Câmara dos Vereadores de Abreu e Lima, José da Silva Brito aprovou um
requerimento histórico no dia 2 de fevereiro de 1984, que dizia:
“Pelas inúmeras manifestações populares em favor das Diretas-Já em todo o
Brasil e ainda pelo pronunciamento das principais lideranças políticas e
comunitárias, além das pesquisas que se vem desenvolvendo, se constata uma
unidade nacional em torno desta tese. É vergonhoso saber, que apenas setores
minoritários do Governo Federal do PDS, se contrapõem a vontade do povo e da
nação.
Eleições diretas para presidente já em 1985, é um a questão de honra
nacional. E tão importante hoje, quanto foi ontem a causa da Independência, da
Abolição e da República. Abreu e Lima que está entre os três municípios mais
recentes da Região Metropolitana e que tem a honra de ostentar o nome de um
herói latino-americano: o general Abreu e Lima, não poderia deixar de se
incorporar em mais esta luta cívica, pela democracia e por melhores condições
de vida para o nosso povo. Da decisão desta, dê-se conhecimento às Câmaras
Municipais da RMR e às prefeituras, bem como aos Diretórios Regionais dos
Partidos em Pernambuco”[4].
No entanto, no
dia 24 de abril de 1984, por falta de 22 votos o Congresso Nacional rejeitou a
PEC Dante de Oliveira, e o projeto não seguiu adiante para o Senado. A multidão
que lotava as galerias do Congresso, entre lágrimas, deu-se as mãos e, erguendo-as,
cantou o hino nacional. O Brasil todo sentiu uma grande frustração na
expectativa de eleger diretamente o seu presidente, dando por fim o Regime
Civil-militar no Brasil.
Contudo, o
sonho brasileiro não estava totalmente acabado. Em 8 de dezembro de 1984, um
novo comício na praça da Sé em São Paulo reuniu políticos das mais variadas
tendências em um mesmo palanque. Desde peemedebistas até comunistas se uniram
em torno do projeto de por fim ao Regime opressor.
Com a vitória
da Aliança Democrática e conseqüente eleição de Tancredo Neves e José Sarney
para presidente e vice-presidente, respectivamente, em janeiro de 1985, chegou
ao fim o regime militar no Brasil.
O movimento
pelas DIRETAS JÁ começou de uma simples manifestação que reuniu quase cem
pessoas na Praça da Bandeira em Abreu e Lima, em Pernambuco, e se espalhou e
por todo o país. Chegou a alcançar o patamar de segunda maior manifestação
política da história republicana do Brasil, pois reuniu um milhão e meio de
pessoas na passeata que saiu da Praça da Sé até o Vale do Anhangabaú, em São
Paulo e teve papel preponderante para o fim do Regime Civil-militar no Brasil,
consolidando a nossa democracia.
Flávio Alves
[1] SOUZA,
Flávio Alves Leite de (2019). DE MARICOTA A ABREU E LIMA, A História da Cidade
de Abreu e Lima. Recife: CEPE. pág. 96.
[2] https://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/reynaldo-bh-o-movimento-das-diretas-ja-comecou-com-os-200-de-abreu-e-lima/
(Acessado dia 02/04/2020).
[3] http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/diretas-ja.
(Acessado dia 02/04/2020).
[4] http://abreuelima.pe.gov.br/31-de-marco-o-dia-em-que-abreu-e-lima-entrou-para-a-historia-do-brasil/
(Acessado dia 02/04/2020).
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