A SESMARIA DE JAGUARIBE EM ABREU E LIMA/PE
Pág. 21-28 - Livro: De Maricota a Abreu e Lima por Flávio Alves
Um dos primeiros engenhos
construído nas terras pernambucanas foi o Engenho Jaguaribe, construído na
sesmaria de
Jaguaribe, sesmaria esta que foi a primeira das doações feitas por Duarte
Coelho, resgistrada em 1540. A palavra Jaguaribe deriva do tupi yaguar-y-pe, que significa “rio da onça” ou “rio
do jaguar”. E,
se estendia da “feitiçaria dos Indios
direito a onde se mete o rio Jaguaribe, com o rio que se chama Ayamá,” e se
limitava ao sul com o rio Murueira, posteriormente chamado de Mirueira. Algum
tempo depois o nome Ayamá se
transformou em Inhamã. A palavra Inhamã,
significa círculo d’água, rodeio d’água ou em torno d’água. A região
faz parte atualmente tanto da cidade de Abreu e Lima como a Igarassu.
A terra foi dada a Vasco
Fernandes de Lucena e toda a sua descendência, que gozaria de isenção de
impostos perpetuamente, em agradecimento por ter acompanhado Duarte Coelho ao
Brasil, e “commigo vieram povoar esta
minha Villa de Olinda”. A esta altura Olinda já era a sede da capitania. Esta
doação foi assinada por Bartholomeo Dias e o governador de Pernambuco, Duarte
Coelho, em 24 de julho de 1540. Podemos
considerar este documento como o registro de nascimento do povoado que
futuramente seria a manjedoura da cidade de Abreu e Lima.
Vasco Fernandes de Lucena
deixou a mulher e os filhos em Portugal e aqui se tornou muito importante no
processo de alianças com os índios devido à sua habilidade com a língua dos
nativos, conforme informa Frei Vicente de Salvador. Era
considerado um feitiçeiro pelos nativos. O historiador Tácito Luiz Cordeiro
Galvão, que descende de Vasco Fernandes, afirma que assim como ele, outros
historiadores consideram-no como o segundo Adão pernambucano, pois o mesmo
tivera muitos filhos com as indígenas nas terras do Jaguaribe, Jerônimo de
Albuquerque é considerado o primeiro Adão pernambucano. Além de Cavaleiro da
Casa Real, Vasco Fernandes foi nomeado alcaíde mor de Olinda.
Outras terras também foram
sendo doadas pelo donatário para outras pessoas de acordo com a boa vontade do
governador com o intuito de povoar, usar e explorar as terras pernambucanas. A
tarefa de construir um Engenho nas terras de Jaguaribe não era fácil, pois o
desbravador deveria abrir a clarera na mata, construir moradias, derrubar matas
virgens para o plantio e com muito trabalho construir tudo a partir do nada.
Além de tomar cuidado com os ataques dos nativos indígenas e dos animais
selvagens. A vida não era nada fácil para os primeiros moradores da região que
viera a se tornar Abreu e Lima.
Outra parte das terras
adjacentes ao rio Jaguaribe, cerca de quatrocentas braças de terras, ou seja
731 metros, ao lado norte do rio, foram doadas em 20 de agosto de 1566 à
Vicente Fernandes, Piloto de Carreira das Índias e carpinteiro da Ribeira da
Vila de Olinda.
Seus herdeiros, Antônio Gonçalves, como administrador de sua mulher, pede posse
da sesmaria de Jaguaribe, dada pelo primeiro governador de Pernambuco no dia 28
de julho de 1626.
Nas lutas contra os índios
caetés, iniciadas em 1553, os engenhos de Igarassu e Jaguaribe foram
grandemente danificados, era o risco que os primeiros povoadores da região
tinham que enfrentar constantemente. As terras do Jaguaribe doadas por Duarte
Coelho só foram demarcadas judicialmente
33 anos após a doação da sesmaria, por requerimento ao ouvidor geral do Brasil,
desembargador Antônio Salema a pedido de seus herdeiros: Beatriz Dias (viúva de
Vasco Fernandes) e seus filhos Sebastião Fernandes de Lucena, Francisco
Fernandes de Lucena, e Clara Fernandes de Lucena no dia 12 de junho de 1573. Assim
as terras do Jaguaribe foram demarcadas entre os filhos de Vasco Fernandes de
Lucena.
Por volta de 1573 as
terras de Igarassu até Olinda já estavam distribuídas e começavam a ser
povoadas por toda a faixa litorânea, lembrando que o processo de povoamento se
deu a partir de Igarassu, isto é, do norte em direção a Olinda. Por volta de
1591 os beneditinos adquiriram as terras de Manuel Gondinho, encravadas na área
do Jaguaribe.
Segundo Tácito Galvão, a
região norte da Vila de Olinda era composta por três grandes sítios: o primeiro
denominado Paratibe, doado a Jerônimo de Albuquerque, que passou para Gonçalo
Mendes Leitão como dote de casamento. O segundo sítio, denominado Jaguaribe,
partido em quatro partes: Vasco Fernandes de Lucena e a seus três filhos, nos
quais estão os engenhos Inhamã e Jaguaribe.
E o terceiro grande sítio, denominado “Merueira”, área de sesmarias
menores com vários proprietários.
A respeito da fundação do Engenho
Jaguaribe, o próprio Duarte Coelho escreveu uma carta para o Dom João III
solicitando um auxílio régio em 22 de março de 1548: “por êle querer fazer um engenho em uma ribeira, e em um pedaço de
terra que lhe dei, pede a V. Alteza por ajuda de o fazer, lhe faça mercê de lhe
dar licença para poder mandar algum brasil de cá para isso, o que irá fazer à
costa onde não faça dano nem prejuízo..." Este registro consta no
Livro do Tombo, do mosteiro de São Bento, consultado por F. A. Pereira da Costa
nos Anais Pernambucanos.
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Vista do rio Yaman, ao fundo Maria Farinha. |
Entre os rios Inhamã e
Jaguaribe existe uma ilha sem nenhuma construção, mas tal ilha já aparece como
posse em 7 de maio de 1615 há mais de 22 anos de Braz Correa de Abreu e sua
mulher Luiza de Freytas. Dona Luyza de Freitas recebeu esta ilha como herança e
a venderam aos padres do Mosteiro de São Bento de Olinda, representados pelo
seu superior o Prior Frei Bernado da Madre de Deus pela quantia de doze mil
contos de réis. Provavelmente Dona Luyza seja descendente de Vasco Fernandes de
Lucena.
As terras foram sendo doadas e negociadas aos poucos
como se vê na escritura de Manuel Godinho e sua mulher Maria Fernandes, em 18
de julho de 1698 e também:
“Uma ilha situada entre o rio Jaguaribe e o Aiamá, chamado hoje
de Inhaman, vendida por Braz Correia de Abreu e sua mulher, em 7 de maio de
1615; um partido de canas vendido por Paulo de Almeida em 26 de novembro de
1647; um sítio de terras em Jaguaribe, doado por Dona Inês de Oliveira para o
mosteiro de São Bento e que tomou posse em 7 de janeiro de 1660.”
O frei Bento da
Purificação tomou posse das terras do Jaguaribe prometidas por uma senhora
chamada D. Inês de Oliveira em testamento lavrado em 29 de outubro de 1647, no
qual dizia: “... deixo aos reverendos
padres de São Bento, para que por minha alma digam a valia dela em missas...”
. Os fiéis católicos temiam o purgatório e usavam suas riquezas adquiridas ao
longo da vida para fazer doações à Igreja, a fim de “amenizar” sua situação no
pós-vida, diminuindo seus dias de estadia no purgatório.
1.2 O impacto da presença
dos holandeses nas terras do Jaguaribe
Contudo, os holandeses
estavam cobiçando o lucrativo negócio do açúcar na colônia portuguesa
brasileira. Após 1621, as autoridades holandesas embarcaram numa política
agressiva contra o Império colonial português, é quando se funda a Companhia
das Índias Ocidentais na Holanda. Assim, tentaram tomar posse de Salvador, na
Bahia em 1624, mas foram expulsos no ano seguinte. E em 1630 atacam a colônia mais
um vez com 67 navios fortemente armados e 7.300 soldados, desembarcando
na praia de Pau Amarelo em Pernambuco, marcham até Olinda e tomam a cidade. Em
1632 tomam a cidade de Igarassu, e em 1633 a Ilha de Itamaracá.
Com a chegada dos
holandeses, quase metade engenhos foram abandonados pelos moradores luso-brasileiros
com medo dos invasores. O sistema de produção açucareiro foi gravemente afetado
pela guerra, pois muitos foram desmontados, roubados ou tiveram suas estruturas
danificadas. Até mesmo os escravos aproveitaram a confusão para fugir e
engrossar os quilombos. Afirma Evaldo Cabral de Mello:
Em 1637 e 1638, os
engenhos abandonados foram confiscados pela Companhia e revendidos a prazo a
comerciantes holandeses e judeus, a burocratas e oficiais do exército e a
moradores luso-brasileiros. Os agentes e correspondentes do comércio dos Países
Baixos estenderam créditos abundantes e a largo prazo aos novos proprietários,
para que reconstruíssem suas fábricas, comprassem negros e fundassem safras.
O que pudemos encontrar
sobre o estado dos engenhos na região onde hoje compreende Abreu e Lima durante
o período holandês é um relatório apresentado por Adriaen van Der Dussen, do
Conselho dos XIX na Câmara de Amsterdã, em 4 de abril de 1640. Onde aparece citado
os Engenhos Inhamã e Jaguaribe: Sobre o primeiro, ele fala de “Aiama de Riba”, que
era um engenho d’água, moente, pertencente aos herdeiros de Pedro da Rocha
Leitão, com nove lavradores, e o “Aiama de Baixo”, engenho d’água, moente,
pertencente a Manoel Jacome Bezerra, com seis lavradores. Sobre o Engenho
Jaguaribe, de água e moente, pertencente à viúva de Jerônimo Cabral, ambos
pertencentes à jurisdição de Igarassu. Não
sabemos se a destruição do Engenho Jaguaribe no período holandês se deu em
lutas contra os invasores ou no abandono dos seus moradores, ou até mesmo em
decorrência de roubos.
Contudo, os holandeses
foram golpeados pela crise do preço do açúcar em Amsterdã que começara em 1638,
obrigando a administração holandesa a cobrar dívidas aos proprietários dos
Engenhos, tornando mais fácil para os portugueses formentar a rebelião de
proprietários endividados contra o domínio holandês. Mas a expulsão definitiva
dos holandeses teve início em junho de 1645, através da eclosão de uma
insurreição popular liderada pelo paraibano André Vidal de Negreiros, pelo
senhor de engenho João Fernandes Vieira, pelo índio Felipe Camarão e pelo negro
Henrique Dias. As batalhas duraram até 1654, quando os holandeses foram
expulsos de Pernambuco definitivamente através da assinatura do Tratado de
Taborda no Forte das Cinco Pontas, o nome Taborda se deve ao fato de ter sido assinada
no Campo do pescador Manuel Taborda, no
Recife, as 23:00 horas da segunda-feira, no dia 26 de janeiro de 1654. Assim,
os holandeses deixaram Pernambuco e um legado lendário que permanece vivo no
imaginário popular recifense.
Por volta de 1674 o
Engenho Jaguaribe encontrava-se em ruínas, conforme consta no testamento de
João Fernandes Vieira : “comprara ditas
terras, mas – sem fábrica alguma, estando tudo por terra, - e só restando do
engenho que ali havia alguma ferragem- os cobres miudos, duas tachas, um paiol
e outras miudezas de ferramenta”. Assim declarara a verba 28 do testamento
do mestre de campo João Fernandes Vieira, celebrado em 1671.
Expulsos os holandeses,
sabemos que nessa propriedade, entre a estrada Velha e a Praia de Maria
Farinha, os beneditinos construíram a capela de São Bento,
atualmente em ruínas, tornando-se o mais importante ponto turístico arqueológico
da cidade de Abreu e Lima. A partir da
chegada dos beneditinos à região, as terras adjacentes ao engenho passaram para
os domínios dessa ordem religiosa. Segundo as pesquisas da arqueóloga Mércia
Carrera de Medeira, na documentação histórica desta propriedade foram
encontradas várias construções, tais como: |
Ruínas da Igreja de São Bento |
(...) uma capela, a
casa dos monges e senzalas; uma olaria, onde se fabricavam telhas, tijolos e
louças de cerâmica; um engenho de farinha de mandioca; produzia-se sal;
cultivavam-se mandioca, arroz, feijão e milho. Além de todas essas atividades
produtivas, os beneditinos também possuíam, nesta propriedade, um dos
principais fornos de cal desta época, conhecido como Forno da cal de São Bento.
A capela de São
Bento foi
construída numa altitude de 69 metros acima do nível do mar, distando 4 km do
centro de Abreu e Lima na zona rural da cidade. Sua construção foi iniciada no
século XVII e manteve-se em funcionamento até o final do século XIX.
|
Ruínas do Forno de Cal de São Bento |
As terras de Jaguaribe
eram passadas para donos particulares ou para ordens religiosas, nos fins do
século XVII. As terras constituiam uma importante e rendosa propriedade, com
uma capela, casas de vivenda, vastos campos de plantações, e fornos de cal de excelente
qualidade, conhecida no mercado como “Cal de São Bento” que eram produzidos por
mão-de-obra escrava pertencentes à tal Ordem religiosa. Até que em 15 de
janeiro de 1831, por uma decisão de uma reunião capitular realizada em Olinda,
os padres libertaram todos os escravos de sua propriedade, “por ser a
escravidão oposta à razão, à consciência e à religião.” Isto com
certeza trouxe problemas para o funcionamento das propriedades religiosas que
dependiam da mão-de-obra escrava.