O REI DA CIRANDA DE ABREU E LIMA
(Extraído do livro: Abreu e Lima, a história do Nascimento de uma cidade do Historiador Flávio Alves L. de Souza, todos os direitos reservados - Proibida a reprodução sem autorização e sem citar as fontes)
Ontem, dia 10 de maio seria aniversário do Rei sem Coroa. Abreu e Lima era uma terra
rica na sua cultura popular. Foi nesta terra que surgiu “o rei da ciranda”:
Antônio Baracho da Silva. Conhecido como Mestre de Maracatu, Baracho nasceu em
Nazaré da Mata, em 1907. Foi para Abreu e Lima ainda muito pequeno, onde logrou
êxito na cantoria das cirandas.
“Formiga come do que carrega,
lá não deu pra mim,
eu inventei outra ideia.”[1]
A Ciranda é uma dança de
roda muito conhecida como brincadeira infantil, embora a ciranda tinha mais
adultos do que crianças. A ciranda é um tipo de música popular que envolve a
todos: é democrática, é união, é alegria. Faz parte da cultura pernambucana e
está ligada diretamente à cultura canavieira. Segundo o Doutor em História Severino
Vicente da Silva, foi nos anos sessenta que a ciranda chegou no Recife e
Olinda:
Essa chegada da
Ciranda, juntamente com o Maracatu Rural nos espaços da capital, está associada
com o estabelecimento das gerações de migrantes [...] provocadas pelas
estiagens, pela expansão dos canaviais e destruição dos sítios, além da
perseguição política contra os camponeses sindicalizados. Entre os primeiros
Mestres da Ciranda está Baracho, que foi mestre nos alambiques do Engenho Santa
Fé, em Nazaré da Mata.[2]
“Ciranda_genuína dança do povo_ainda não
esmiuçada pelos folcloristas.”[3] Na
ciranda, costuma haver um mestre, um contra-mestre e os músicos, que ficam no
centro da roda, normalmente tocam zabumba, caixa e ganzá, mas outros
instrumentos podem aparecer.
Os participantes são os
cirandeiros e cirandeiras. A roda começa, em sentido anti-horário, normalmente
pequena, e vai aumentando com a chegada de mais cirandeiros. Cabe ao mestre a
responsabilidade de iniciar e comandar a animação, de tirar os cantos e de tocar
o ganzá. É o integrante mais importante, e, muitas vezes, seu nome identifica a
ciranda, como a Ciranda de Lia, a Ciranda de Dona Duda, a Ciranda de Baracho. Como
cantava Capiba:
“Pra se dançar ciranda
Juntamos mão com mão
Fazendo uma roda
Cantando essa canção.”
Minha Ciranda- Capiba
O grande estudioso do
assunto, Jaime Diniz, classificou a ciranda como sendo “uma expressão popular –
genuína dança do povo” praticada por trabalhadores rurais, pescadores do mangue
e do mar, operários e biscateiros.[4]
Dança-se a ciranda
durante o ano inteiro, exceção (por motivos religiosos) da quarta, quinta,
sexta-feira santa, quarta-feira de cinzas, dia de finados. Também não é comum
ver-se nos dias de carnaval, mas o padre Jaime Diniz registrou dias de folia em
Nazaré da Mata, e também a Ciranda Caeté, em Abreu e Lima [...] O pessoal
brincava fantasiado e no meio da rua dançava Ciranda.[5]
O Mestre Baracho da
Ciranda, cujo nome era Antônio Baracho da Silva, nasceu em Nazaré da Mata, em
Pernambuco, era Mestre de açúcar e saiu quando as Usinas compraram os engenhos.
Foi trabalhar na construção de estradas, mudou-se para Abreu e Lima, onde
passou a maior parte da vida. Foi um grande compositor de cirandas, e foi
também Mestre de Maracatu. Nos anos 1970 era considerado um dos cirandeiros
mais “autênticos” e “tradicionais” da região, conforme noticiou o Diário de
Pernambuco em 19 de junho de 1975.
Como Antônio Baracho nunca
se preocupou com os registros legais da autoria, várias de suas composições
foram gravadas por outros artistas, sem menção à sua autoria. Também é
atribuída a Baracho a autoria dos versos: “Ó cirandeiro, cirandeiro ó, a pedra
do seu anel / brilha mais do que o sol”, que foram utilizados na música
“Cirandeiro”, de Edu Lobo e Capinam, sem que Baracho fosse citado como autor.
O único disco que ele
gravou foi pela Rozemblit, o albúm A
Música Popular do Nordeste. Que mais serviu para divulgar suas músicas do
que para seu apoio financeiro. Infelizmente Baracho morreu antes da Lei do
Patrimônio vivo, que foi criada para preservar as manifestações culturais
permitindo que os artistas recebecem uma bolsa vitalícia, a fim de que pudessem
ensinar novas gerações de aprendizes.[6]
Ele faleceu em 1988, aos
81 anos, de câncer na garganta, em decorrência de anos fumando, numa situação
de pobreza. Seu enterro foi pago pelo prefeito de Nazaré da Mata, onde foi
enterrado. Teve suas cirandas gravadas
por artistas como Capiba, Martinho da Vila, Nelson Ferreira, Teca Calazans,
Geraldo Azevedo, Lia de Itamaracá, entre outros. Dulce e Severina Baracho, suas
filhas, continuam perpetuando suas canções e se apresentam em alguns festivais
onde apresentam as canções de Antônio Baracho. Como dizia ele: “Agora fico bem
satisfeito porque morro, mas meu nome fica na história como o rei sem coroa.”[7]
[1] Documentário
produzido pela Tv Viva, no ano de 1985, e dirigido por Eduardo Homem.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=B3dVsrX3ceo.
[2] SILVA, Severino
Vicente da. Culturas do açúcar em Pernambuco. In: Clio – Série Revista de Pesquisa Histórica- N. 26-2, 2008, p. 13.
[3] DINIZ, Jaime. Ciranda roda de adultos no folclore
pernambucano. In: Revista do Departamento de Extensão Cultural e Artística.
Recife, 1960, pág. 15.
[4] FRANÇA, Déborah
Gwendolyne Callender. Quem deu a ciranda a Lia?: A história das mil e uma Lias
da ciranda (1960-1980), Recife, 2011. Pág. 44. Dissertação de Mestrado na
Universidade Federal de Pernambuco. No brilhante trabalho desenvolvido pela
pesquisadora estudando a ciranda como manifestação cultural popular, que foi
deslocada para espaços de lazer da classe média na cidade do Recife. A prática
cultural sofreu mudanças para se adequar aos festivais e em busca de entreter
os turistas e parte da sociedade pernambucana.
[5] RABELLO, Evandro.
Ciranda: dança de roda, dança da moda. Recife: Universidade Federal de
Pernambuco, Editoria Universitária, 1979, p.49.
[6] OLIVEIRA, Leônidas Henrique de.
Dissertação Ciranda Pernambucana uma
Dança e Música Popular. Curso de Especialização em Cultura Pernambucana –
Fafire – 2007.
[7] Único registro
audiovisual sobre o Mestre de Maracatu Rural e Cirandeiro, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=yHi74-rZpWs.