sexta-feira, 11 de maio de 2018

ANTÔNIO BARACHO: O REI DA CIRANDA


O REI DA CIRANDA DE ABREU E LIMA
(Extraído do livro: Abreu e Lima, a história do Nascimento de uma cidade do Historiador Flávio Alves L. de Souza, todos os direitos reservados - Proibida a reprodução sem autorização e sem citar as fontes)


Ontem, dia 10 de maio seria aniversário do Rei sem Coroa. Abreu e Lima era uma terra rica na sua cultura popular. Foi nesta terra que surgiu “o rei da ciranda”: Antônio Baracho da Silva. Conhecido como Mestre de Maracatu, Baracho nasceu em Nazaré da Mata, em 1907. Foi para Abreu e Lima ainda muito pequeno, onde logrou êxito na cantoria das cirandas.

“Formiga come do que carrega,
lá não deu pra mim,
eu inventei outra ideia.”[1]

A Ciranda é uma dança de roda muito conhecida como brincadeira infantil, embora a ciranda tinha mais adultos do que crianças. A ciranda é um tipo de música popular que envolve a todos: é democrática, é união, é alegria. Faz parte da cultura pernambucana e está ligada diretamente à cultura canavieira. Segundo o Doutor em História Severino Vicente da Silva, foi nos anos sessenta que a ciranda chegou no Recife e Olinda:

Essa chegada da Ciranda, juntamente com o Maracatu Rural nos espaços da capital, está associada com o estabelecimento das gerações de migrantes [...] provocadas pelas estiagens, pela expansão dos canaviais e destruição dos sítios, além da perseguição política contra os camponeses sindicalizados. Entre os primeiros Mestres da Ciranda está Baracho, que foi mestre nos alambiques do Engenho Santa Fé, em Nazaré da Mata.[2]

 “Ciranda_genuína dança do povo_ainda não esmiuçada pelos folcloristas.”[3] Na ciranda, costuma haver um mestre, um contra-mestre e os músicos, que ficam no centro da roda, normalmente tocam zabumba, caixa e ganzá, mas outros instrumentos podem aparecer.

Os participantes são os cirandeiros e cirandeiras. A roda começa, em sentido anti-horário, normalmente pequena, e vai aumentando com a chegada de mais cirandeiros. Cabe ao mestre a responsabilidade de iniciar e comandar a animação, de tirar os cantos e de tocar o ganzá. É o integrante mais importante, e, muitas vezes, seu nome identifica a ciranda, como a Ciranda de Lia, a Ciranda de Dona Duda, a Ciranda de Baracho. Como cantava Capiba:
“Pra se dançar ciranda
Juntamos mão com mão
Fazendo uma roda
Cantando essa canção.”
Minha Ciranda- Capiba

O grande estudioso do assunto, Jaime Diniz, classificou a ciranda como sendo “uma expressão popular – genuína dança do povo” praticada por trabalhadores rurais, pescadores do mangue e do mar, operários e biscateiros.[4]
Dança-se a ciranda durante o ano inteiro, exceção (por motivos religiosos) da quarta, quinta, sexta-feira santa, quarta-feira de cinzas, dia de finados. Também não é comum ver-se nos dias de carnaval, mas o padre Jaime Diniz registrou dias de folia em Nazaré da Mata, e também a Ciranda Caeté, em Abreu e Lima [...] O pessoal brincava fantasiado e no meio da rua dançava Ciranda.[5]
O Mestre Baracho da Ciranda, cujo nome era Antônio Baracho da Silva, nasceu em Nazaré da Mata, em Pernambuco, era Mestre de açúcar e saiu quando as Usinas compraram os engenhos. Foi trabalhar na construção de estradas, mudou-se para Abreu e Lima, onde passou a maior parte da vida. Foi um grande compositor de cirandas, e foi também Mestre de Maracatu. Nos anos 1970 era considerado um dos cirandeiros mais “autênticos” e “tradicionais” da região, conforme noticiou o Diário de Pernambuco em 19 de junho de 1975.
Como Antônio Baracho nunca se preocupou com os registros legais da autoria, várias de suas composições foram gravadas por outros artistas, sem menção à sua autoria. Também é atribuída a Baracho a autoria dos versos: “Ó cirandeiro, cirandeiro ó, a pedra do seu anel / brilha mais do que o sol”, que foram utilizados na música “Cirandeiro”, de Edu Lobo e Capinam, sem que Baracho fosse citado como autor.

O único disco que ele gravou foi pela Rozemblit, o albúm A Música Popular do Nordeste. Que mais serviu para divulgar suas músicas do que para seu apoio financeiro. Infelizmente Baracho morreu antes da Lei do Patrimônio vivo, que foi criada para preservar as manifestações culturais permitindo que os artistas recebecem uma bolsa vitalícia, a fim de que pudessem ensinar novas gerações de aprendizes.[6]

Ele faleceu em 1988, aos 81 anos, de câncer na garganta, em decorrência de anos fumando, numa situação de pobreza. Seu enterro foi pago pelo prefeito de Nazaré da Mata, onde foi enterrado.  Teve suas cirandas gravadas por artistas como Capiba, Martinho da Vila, Nelson Ferreira, Teca Calazans, Geraldo Azevedo, Lia de Itamaracá, entre outros. Dulce e Severina Baracho, suas filhas, continuam perpetuando suas canções e se apresentam em alguns festivais onde apresentam as canções de Antônio Baracho. Como dizia ele: “Agora fico bem satisfeito porque morro, mas meu nome fica na história como o rei sem coroa.”[7]


[1] Documentário produzido pela Tv Viva, no ano de 1985, e dirigido por Eduardo Homem. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=B3dVsrX3ceo.
[2] SILVA, Severino Vicente da. Culturas do açúcar em Pernambuco. In: Clio – Série Revista de Pesquisa Histórica- N. 26-2, 2008, p. 13.
[3] DINIZ, Jaime. Ciranda roda de adultos no folclore pernambucano. In: Revista do Departamento de Extensão Cultural e Artística. Recife, 1960, pág. 15.
[4] FRANÇA, Déborah Gwendolyne Callender. Quem deu a ciranda a Lia?: A história das mil e uma Lias da ciranda (1960-1980), Recife, 2011. Pág. 44. Dissertação de Mestrado na Universidade Federal de Pernambuco. No brilhante trabalho desenvolvido pela pesquisadora estudando a ciranda como manifestação cultural popular, que foi deslocada para espaços de lazer da classe média na cidade do Recife. A prática cultural sofreu mudanças para se adequar aos festivais e em busca de entreter os turistas e parte da sociedade pernambucana.
[5] RABELLO, Evandro. Ciranda: dança de roda, dança da moda. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Editoria Universitária, 1979, p.49.
[6] OLIVEIRA, Leônidas Henrique de. Dissertação Ciranda Pernambucana uma Dança e Música Popular. Curso de Especialização em Cultura Pernambucana – Fafire – 2007.
[7] Único registro audiovisual sobre o Mestre de Maracatu Rural e Cirandeiro, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yHi74-rZpWs.