Padre Roma: O pai do General Abreu e Lima
Uma República se formou durante o
Brasil Colônia, um embrião de um país livre do absolutismo, democrático sob as
bandeiras da liberdade e da justiça. Por 74 dias a província de Pernambuco se
tornou um país, ou um protótipo de como deveria ser um, pois no dia 6 de março de 1817 eclodiu em Recife a Revolução
Pernambucana que se estendeu pela Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. As causas?
Eram muitas. “Paga-se em Pernambuco um imposto para iluminação no Rio de
Janeiro enquanto as ruas do Recife permaneciam no escuro.” Escrevia o Inglês
Henry Koster que residia no Recife. A alta carga tributária, as restrições aos
brasileiros enquanto os portugueses desfrutavam de privilégios, os ideais
franceses de liberdade, igualdade e fraternidade excitavam as cabeças pensantes
contra as imposições exploratórias da coroa portuguesa.
E foi neste contexto, que por
volta das 11 horas da manhã do dia 6 de março de 1817 começou um reboliço nas
ruas do Recife, pois o capitão José de Barros Lima, conhecido como Leão
Coroado, reagiu à prisão matando com golpes de espada o comandante do regimento
Barbosa de Castro, enviado pelo governador para prender os revoltosos. O
levante resultou na expulsão do governador, após o mesmo ter tentando se
refugiar no Forte do Brum. Assim os pernambucanos assumem o governo da Província,
transformando-a na primeira República da América do Sul.
O movimento enviou então para a
Bahia, José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, o Padre Roma, grande orador para
insuflar a província contra a Coroa portuguesa, angariando apoiadores para a
Revolução. José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima (1768-1818) nasceu no Recife,
Pernambuco, no ano de 1768. Filho de família nobre resolveu dedicar-se à vida
religiosa entrando para o Convento do Carmo, no município de Goiana, em 1784,
indo em seguida para Coimbra, onde concluiu o bacharelado em Teologia. Partiu
para Roma, onde estudou grego e latim e ordenou-se padre. Por isso ficou
conhecido como Padre Roma.
De volta ao Recife e desejando
ter maior liberdade de ação, solicitou breve secularização ao pontífice. Orador
com amplos conhecimentos tornou-se muito conhecido por seus sermões e pela
adesão às ideias liberais que adotou. Com grandes conhecimentos jurídicos e
filosóficos, passou a exercer a profissão de advogado, tornando-se famoso como
defensor de causas.
De acordo com o historiador
Pereira da Costa[1],
a morte do Padre Roma foi assim descrita pelo seu filho General Abreu e Lima,
presente à execução: "O seu porte em presença do Conselho, no oratório e
durante o trajeto para o lugar do suplício, foi sempre o de um filósofo
cristão, corajoso, senhor de si, mas tranqüilo e designado. Suas faces não se desbotaram
senão quando o sangue que as tingia correu de suas feridas, regando o solo
onde, seis anos depois, se firmou para sempre a independência de sua
pátria".
Tão logo deflagrada e para obter
apoio ao movimento sedicioso, o comando da Revolução enviou às demais
províncias mensageiros como o “Padre Roma”, para obter apoio. Vindo de jangada,
ele foi preso ao desembarcar em Itapuã, não sem antes jogar ao mar os papéis
que trazia, contendo documentos comprometedores e os nomes de membros da
Maçonaria local com quem faria contato. Por ordem do então governador da Bahia,
o 8º Conde dos Arcos, foi submetido a um julgamento militar sumário, no qual
negou-se a declarar os nomes das pessoas a quem procuraria. Foi condenado à
morte e executado no Campo da Pólvora, na manhã de 29 de março de 1817.[2] Em
junho do mesmo ano, após vencer os revoltosos, o governo de Dom João VI reprimiu
com violência o movimento e outros três líderes foram trazidos presos e também
fuzilados em Salvador.
Padre Roma teve dois filhos, um
dos quais o acompanhou na viagem à Bahia. O outro, mais velho, o futuro general
Abreu e Lima, era militar e já estava preso na Bahia, por insubordinação,
quando o “Padre Roma“ foi preso. Por ordem do Conde dos Arcos foi obrigado a
assistir à execução do pai. Mais tarde, Abreu e Lima deixou o Exército e viajou
pela América do Sul, onde lutou durante catorze anos ao lado de Simon Bolívar,
sendo uma dos mais destacados generais da campanha pela libertação da Colômbia,
Venezuela e Equador do domínio espanhol.
“O general das massas”, assim
como era conhecido o general Abreu e Lima, se tornou um herói da independência
na América Latina. Embora os líderes da revolução de 1817 tenham sido mortos, e
a revolução sufocada, os seus ideais permaneceram vivos pelas décadas vindouras
na terra dos altos coqueiros. No dia 10 de novembro de 1848 travou-se em
Maricota a primeira batalha da Revolução Praieira entre os revoltosos praieiros
e as forças do legalistas do governo. Um dos líderes desse movimento foi José
Ignácio de Abreu e Lima. Político, escritor, jornalista e general, filho do
Padre Roma, conhecido como o "Inácio pernambucano", ou como “general
das massas”. Como era maçom, seu enterro foi vedado no Cemitério de Santo Amaro
no Recife, e foi então sepultado no cemitério dos ingleses no mesmo bairro do
Recife.
Cem anos depois, por sugestão do
deputado Antônio Torres Galvão, o lugar que abrigou a primeira Batalha da Revolução
Praieira, ou seja, Maricota, recebeu uma nova designação: Abreu e Lima. O então
segundo distrito de Paulista recebeu este nome em homenagem aos 100 anos da
Revolução Praieira. O deputado Antônio Torres Galvão, que era evangélico da
Assembleia de Deus, e representando o povo de Paulista, enviou em 17 de
novembro de 1948, para a sessão da Assembleia Legislativa, o Projeto nº 372,
com o propósito de alterar a denominação da vila de Maricota, sede do 2º
distrito de Paulista, para Abreu e Lima.[3]
Flávio Alves Leite de Souza
Historiador
Historiador
* IMAGEM: Tela do carioca de Niterói Antônio Diogo da Silva Parreiras (1860-1937) sobre a revolta de 1817.
[1] Dicionário Biográfico de
Pernambucanos Célebres, Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1982.
[3] SOUZA,
Flávio Alves Leite de. De Maricota a Abreu e Lima: a história da cidade de
Abreu e Lima. Recife: CEHM, Editora CEPE, 2019. Pág. 59.