terça-feira, 3 de março de 2020

Padre Roma: O pai do General Abreu e Lima


Padre Roma: O pai do General Abreu e Lima


Uma República se formou durante o Brasil Colônia, um embrião de um país livre do absolutismo, democrático sob as bandeiras da liberdade e da justiça. Por 74 dias a província de Pernambuco se tornou um país, ou um protótipo de como deveria ser um, pois no dia 6 de março de 1817 eclodiu em Recife a Revolução Pernambucana que se estendeu pela Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. As causas? Eram muitas. “Paga-se em Pernambuco um imposto para iluminação no Rio de Janeiro enquanto as ruas do Recife permaneciam no escuro.” Escrevia o Inglês Henry Koster que residia no Recife. A alta carga tributária, as restrições aos brasileiros enquanto os portugueses desfrutavam de privilégios, os ideais franceses de liberdade, igualdade e fraternidade excitavam as cabeças pensantes contra as imposições exploratórias da coroa portuguesa.

E foi neste contexto, que por volta das 11 horas da manhã do dia 6 de março de 1817 começou um reboliço nas ruas do Recife, pois o capitão José de Barros Lima, conhecido como Leão Coroado, reagiu à prisão matando com golpes de espada o comandante do regimento Barbosa de Castro, enviado pelo governador para prender os revoltosos. O levante resultou na expulsão do governador, após o mesmo ter tentando se refugiar no Forte do Brum. Assim os pernambucanos assumem o governo da Província, transformando-a na primeira República da América do Sul. 

No dia 7 de março de 1817, foi instalado um Governo provisório encabeçado por: Padre João Ribeiro Pessoa de Melo Negromonte, um representante do Comércio, um responsável pela Magistratura, um responsável pela Agricultura, e um responsável pelos militares. Além de Gervásio Pires que foi convidado para a contabilidade do movimento.

O movimento enviou então para a Bahia, José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, o Padre Roma, grande orador para insuflar a província contra a Coroa portuguesa, angariando apoiadores para a Revolução. José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima (1768-1818) nasceu no Recife, Pernambuco, no ano de 1768. Filho de família nobre resolveu dedicar-se à vida religiosa entrando para o Convento do Carmo, no município de Goiana, em 1784, indo em seguida para Coimbra, onde concluiu o bacharelado em Teologia. Partiu para Roma, onde estudou grego e latim e ordenou-se padre. Por isso ficou conhecido como Padre Roma.

De volta ao Recife e desejando ter maior liberdade de ação, solicitou breve secularização ao pontífice. Orador com amplos conhecimentos tornou-se muito conhecido por seus sermões e pela adesão às ideias liberais que adotou. Com grandes conhecimentos jurídicos e filosóficos, passou a exercer a profissão de advogado, tornando-se famoso como defensor de causas.

De acordo com o historiador Pereira da Costa[1], a morte do Padre Roma foi assim descrita pelo seu filho General Abreu e Lima, presente à execução: "O seu porte em presença do Conselho, no oratório e durante o trajeto para o lugar do suplício, foi sempre o de um filósofo cristão, corajoso, senhor de si, mas tranqüilo e designado. Suas faces não se desbotaram senão quando o sangue que as tingia correu de suas feridas, regando o solo onde, seis anos depois, se firmou para sempre a independência de sua pátria".

Tão logo deflagrada e para obter apoio ao movimento sedicioso, o comando da Revolução enviou às demais províncias mensageiros como o “Padre Roma”, para obter apoio. Vindo de jangada, ele foi preso ao desembarcar em Itapuã, não sem antes jogar ao mar os papéis que trazia, contendo documentos comprometedores e os nomes de membros da Maçonaria local com quem faria contato. Por ordem do então governador da Bahia, o 8º Conde dos Arcos, foi submetido a um julgamento militar sumário, no qual negou-se a declarar os nomes das pessoas a quem procuraria. Foi condenado à morte e executado no Campo da Pólvora, na manhã de 29 de março de 1817.[2] Em junho do mesmo ano, após vencer os revoltosos, o governo de Dom João VI reprimiu com violência o movimento e outros três líderes foram trazidos presos e também fuzilados em Salvador.

Padre Roma teve dois filhos, um dos quais o acompanhou na viagem à Bahia. O outro, mais velho, o futuro general Abreu e Lima, era militar e já estava preso na Bahia, por insubordinação, quando o “Padre Roma“ foi preso. Por ordem do Conde dos Arcos foi obrigado a assistir à execução do pai. Mais tarde, Abreu e Lima deixou o Exército e viajou pela América do Sul, onde lutou durante catorze anos ao lado de Simon Bolívar, sendo uma dos mais destacados generais da campanha pela libertação da Colômbia, Venezuela e Equador do domínio espanhol.

“O general das massas”, assim como era conhecido o general Abreu e Lima, se tornou um herói da independência na América Latina. Embora os líderes da revolução de 1817 tenham sido mortos, e a revolução sufocada, os seus ideais permaneceram vivos pelas décadas vindouras na terra dos altos coqueiros. No dia 10 de novembro de 1848 travou-se em Maricota a primeira batalha da Revolução Praieira entre os revoltosos praieiros e as forças do legalistas do governo. Um dos líderes desse movimento foi José Ignácio de Abreu e Lima. Político, escritor, jornalista e general, filho do Padre Roma, conhecido como o "Inácio pernambucano", ou como “general das massas”. Como era maçom, seu enterro foi vedado no Cemitério de Santo Amaro no Recife, e foi então sepultado no cemitério dos ingleses no mesmo bairro do Recife.

Cem anos depois, por sugestão do deputado Antônio Torres Galvão, o lugar que abrigou a primeira Batalha da Revolução Praieira, ou seja, Maricota, recebeu uma nova designação: Abreu e Lima. O então segundo distrito de Paulista recebeu este nome em homenagem aos 100 anos da Revolução Praieira. O deputado Antônio Torres Galvão, que era evangélico da Assembleia de Deus, e representando o povo de Paulista, enviou em 17 de novembro de 1948, para a sessão da Assembleia Legislativa, o Projeto nº 372, com o propósito de alterar a denominação da vila de Maricota, sede do 2º distrito de Paulista, para Abreu e Lima.[3]

Flávio Alves Leite de Souza
Historiador

* IMAGEM: Tela do carioca de Niterói Antônio Diogo da Silva Parreiras (1860-1937) sobre a revolta de 1817.


[1] Dicionário Biográfico de Pernambucanos Célebres, Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1982.
[3] SOUZA, Flávio Alves Leite de. De Maricota a Abreu e Lima: a história da cidade de Abreu e Lima. Recife: CEHM, Editora CEPE, 2019. Pág. 59.