quinta-feira, 2 de abril de 2020

ABREU E LIMA: O BERÇO PELAS DIRETAS JÁ

ABREU E LIMA: O BERÇO PELAS DIRETAS JÁ

Um milhão e meio de pessoas no Vale do Anhangabaú (16 de abril de 1984)
AS DIRETAS JÁ, maior manifestação popular pela democracia plena na história do Brasil começou de maneira bem singela numa cidade recém emancipada: Abreu e Lima/PE. Uma cidade com apenas 17.625 eleitores, porém muito ativa politicamente, situada na região metropolitana do Recife, havia conquistado a emancipação política da cidade do Paulista no dia 14 de maio de 1982. Mas, agora almejava ir além: a conquista do direito de escolher o presidente da república.[1]

Era 31 de março de 1983, um dia em que os militares comemoravam o aniversário dos dezenove anos do Regime Civil-Militar no Brasil, e um grupo de quatro vereadores ousavam desafiar as autoridades para defender a democracia plena. A cidade já tinha escolhido seus vereadores e prefeito. Mas, a sede pela liberdade democrática desejava ainda mais.

Eram dias difíceis, os recém-empossados vereadores José da Silva Brito, Antonio Amaro Cavalcanti (ambos falecidos), Severino Farias e Reginaldo Silva escolheram a Praça da Bandeira para reunir a população e começar o movimento pela plena redemocratização. O número foi resumido, pois o clima ainda era tenso, nem o fotógrafo da cidade quis comparecer com medo das represálias.

Não há nenhum registro fotográfico do evento senão os testemunhos daqueles que deram o primeiro grito. O medo ainda imperava, mas não impediu o movimento histórico que foi aos poucos se espalhando por outras cidades em efeito cascata. Os partícipes da manifestação não faziam idéia que estavam se transformando nos precursores de um movimento de dimensões continentais. “No dia 31 de março de 1983 – data em que os ditadores comemoravam o golpe que nos jogou na escuridão da ditadura – lá aconteceu a primeira manifestação pública a favor das DIRETAS JÁ. Contava com menos de 200 manifestantes mobilizados pelo PMDB”.[2]

É neste contexto que os vereadores de Abreu e Lima se tornam pioneiros, pois no dia em que os militares estavam organizando um desfile cívico no centro da cidade, os corajosos políticos desafiavam os sistema organizando o primeiro comício pelas Diretas já na história do Brasil.
Praça da Bandeira, Abreu e Lima/PE.

O movimento era suprapartidário, e milhões de brasileiros embarcaram em comícios pelas ruas do Brasil pedindo as eleições diretas para presidente da república. Direito suprimido desde 1960, quando ocorreu a última eleição direta para presidente que colocou Jânio Quadros como chefe maior do Estado Brasileiro. Com a promulgação, pelo regime de 1964, do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, e como definido em seu artigo 9º, o presidente e vice-presidente da República passaram a ser eleitos por maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão pública e votação nominal, a chamada “eleições indiretas”, assim o povo brasileiro perdeu o direito de escolher seu presidente através do voto direto.

Com a Constituição de 1967, promulgada a 24 de janeiro, através de seu artigo 74, o presidente da República passou a ser escolhido através do voto do Colégio Eleitoral, composto dos membros do Congresso Nacional e de delegados indicados pelas assembléias legislativas dos estados, cujo número final era determinado pela proporcionalidade do número de eleitores inscritos em cada estado. Em 1982, o governo uniformizou a representação das assembléias legislativas estaduais no Colégio Eleitoral, atribuindo seis representantes indistintamente a cada estado.[3]

O governo Figueiredo já estava redemocratizando lenta e gradualmente o sistema político brasileiro com as eleições diretas para os governos estaduais. Em março de 1983 o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou ao Congresso Nacional uma emenda constitucional propondo o retorno das eleições diretas para presidente e vice-presidente que só foi votada na madrugada do dia 24 para 25 de abril de 1984. Até lá, o movimento precisou ganhar força.

Os comícios se espalhavam pelas ruas culminando na união de partidos de oposição, da população, da grande mídia, artistas famosos, atores globais, e dos governadores. A base política de sustentação dos militares estava rachada, o povo ia às ruas com as cores e bandeiras nacionais entoando o refrão: “um, dois, três,/ quatro, cinco, mil,/ queremos eleger/ o presidente do Brasil.” Milhões de brasileiros foram às ruas.

O presidente da Câmara dos Vereadores de Abreu e Lima, José da Silva Brito aprovou um requerimento histórico no dia 2 de fevereiro de 1984, que dizia:

“Pelas inúmeras manifestações populares em favor das Diretas-Já em todo o Brasil e ainda pelo pronunciamento das principais lideranças políticas e comunitárias, além das pesquisas que se vem desenvolvendo, se constata uma unidade nacional em torno desta tese. É vergonhoso saber, que apenas setores minoritários do Governo Federal do PDS, se contrapõem a vontade do povo e da nação.
Eleições diretas para presidente já em 1985, é um a questão de honra nacional. E tão importante hoje, quanto foi ontem a causa da Independência, da Abolição e da República. Abreu e Lima que está entre os três municípios mais recentes da Região Metropolitana e que tem a honra de ostentar o nome de um herói latino-americano: o general Abreu e Lima, não poderia deixar de se incorporar em mais esta luta cívica, pela democracia e por melhores condições de vida para o nosso povo. Da decisão desta, dê-se conhecimento às Câmaras Municipais da RMR e às prefeituras, bem como aos Diretórios Regionais dos Partidos em Pernambuco”[4].

No entanto, no dia 24 de abril de 1984, por falta de 22 votos o Congresso Nacional rejeitou a PEC Dante de Oliveira, e o projeto não seguiu adiante para o Senado. A multidão que lotava as galerias do Congresso, entre lágrimas, deu-se as mãos e, erguendo-as, cantou o hino nacional. O Brasil todo sentiu uma grande frustração na expectativa de eleger diretamente o seu presidente, dando por fim o Regime Civil-militar no Brasil.

Contudo, o sonho brasileiro não estava totalmente acabado. Em 8 de dezembro de 1984, um novo comício na praça da Sé em São Paulo reuniu políticos das mais variadas tendências em um mesmo palanque. Desde peemedebistas até comunistas se uniram em torno do projeto de por fim ao Regime opressor.

Com a vitória da Aliança Democrática e conseqüente eleição de Tancredo Neves e José Sarney para presidente e vice-presidente, respectivamente, em janeiro de 1985, chegou ao fim o regime militar no Brasil.

O movimento pelas DIRETAS JÁ começou de uma simples manifestação que reuniu quase cem pessoas na Praça da Bandeira em Abreu e Lima, em Pernambuco, e se espalhou e por todo o país. Chegou a alcançar o patamar de segunda maior manifestação política da história republicana do Brasil, pois reuniu um milhão e meio de pessoas na passeata que saiu da Praça da Sé até o Vale do Anhangabaú, em São Paulo e teve papel preponderante para o fim do Regime Civil-militar no Brasil, consolidando a nossa democracia.

Flávio Alves


[1] SOUZA, Flávio Alves Leite de (2019). DE MARICOTA A ABREU E LIMA, A História da Cidade de Abreu e Lima. Recife: CEPE. pág. 96.

terça-feira, 3 de março de 2020

Padre Roma: O pai do General Abreu e Lima


Padre Roma: O pai do General Abreu e Lima


Uma República se formou durante o Brasil Colônia, um embrião de um país livre do absolutismo, democrático sob as bandeiras da liberdade e da justiça. Por 74 dias a província de Pernambuco se tornou um país, ou um protótipo de como deveria ser um, pois no dia 6 de março de 1817 eclodiu em Recife a Revolução Pernambucana que se estendeu pela Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. As causas? Eram muitas. “Paga-se em Pernambuco um imposto para iluminação no Rio de Janeiro enquanto as ruas do Recife permaneciam no escuro.” Escrevia o Inglês Henry Koster que residia no Recife. A alta carga tributária, as restrições aos brasileiros enquanto os portugueses desfrutavam de privilégios, os ideais franceses de liberdade, igualdade e fraternidade excitavam as cabeças pensantes contra as imposições exploratórias da coroa portuguesa.

E foi neste contexto, que por volta das 11 horas da manhã do dia 6 de março de 1817 começou um reboliço nas ruas do Recife, pois o capitão José de Barros Lima, conhecido como Leão Coroado, reagiu à prisão matando com golpes de espada o comandante do regimento Barbosa de Castro, enviado pelo governador para prender os revoltosos. O levante resultou na expulsão do governador, após o mesmo ter tentando se refugiar no Forte do Brum. Assim os pernambucanos assumem o governo da Província, transformando-a na primeira República da América do Sul. 

No dia 7 de março de 1817, foi instalado um Governo provisório encabeçado por: Padre João Ribeiro Pessoa de Melo Negromonte, um representante do Comércio, um responsável pela Magistratura, um responsável pela Agricultura, e um responsável pelos militares. Além de Gervásio Pires que foi convidado para a contabilidade do movimento.

O movimento enviou então para a Bahia, José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, o Padre Roma, grande orador para insuflar a província contra a Coroa portuguesa, angariando apoiadores para a Revolução. José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima (1768-1818) nasceu no Recife, Pernambuco, no ano de 1768. Filho de família nobre resolveu dedicar-se à vida religiosa entrando para o Convento do Carmo, no município de Goiana, em 1784, indo em seguida para Coimbra, onde concluiu o bacharelado em Teologia. Partiu para Roma, onde estudou grego e latim e ordenou-se padre. Por isso ficou conhecido como Padre Roma.

De volta ao Recife e desejando ter maior liberdade de ação, solicitou breve secularização ao pontífice. Orador com amplos conhecimentos tornou-se muito conhecido por seus sermões e pela adesão às ideias liberais que adotou. Com grandes conhecimentos jurídicos e filosóficos, passou a exercer a profissão de advogado, tornando-se famoso como defensor de causas.

De acordo com o historiador Pereira da Costa[1], a morte do Padre Roma foi assim descrita pelo seu filho General Abreu e Lima, presente à execução: "O seu porte em presença do Conselho, no oratório e durante o trajeto para o lugar do suplício, foi sempre o de um filósofo cristão, corajoso, senhor de si, mas tranqüilo e designado. Suas faces não se desbotaram senão quando o sangue que as tingia correu de suas feridas, regando o solo onde, seis anos depois, se firmou para sempre a independência de sua pátria".

Tão logo deflagrada e para obter apoio ao movimento sedicioso, o comando da Revolução enviou às demais províncias mensageiros como o “Padre Roma”, para obter apoio. Vindo de jangada, ele foi preso ao desembarcar em Itapuã, não sem antes jogar ao mar os papéis que trazia, contendo documentos comprometedores e os nomes de membros da Maçonaria local com quem faria contato. Por ordem do então governador da Bahia, o 8º Conde dos Arcos, foi submetido a um julgamento militar sumário, no qual negou-se a declarar os nomes das pessoas a quem procuraria. Foi condenado à morte e executado no Campo da Pólvora, na manhã de 29 de março de 1817.[2] Em junho do mesmo ano, após vencer os revoltosos, o governo de Dom João VI reprimiu com violência o movimento e outros três líderes foram trazidos presos e também fuzilados em Salvador.

Padre Roma teve dois filhos, um dos quais o acompanhou na viagem à Bahia. O outro, mais velho, o futuro general Abreu e Lima, era militar e já estava preso na Bahia, por insubordinação, quando o “Padre Roma“ foi preso. Por ordem do Conde dos Arcos foi obrigado a assistir à execução do pai. Mais tarde, Abreu e Lima deixou o Exército e viajou pela América do Sul, onde lutou durante catorze anos ao lado de Simon Bolívar, sendo uma dos mais destacados generais da campanha pela libertação da Colômbia, Venezuela e Equador do domínio espanhol.

“O general das massas”, assim como era conhecido o general Abreu e Lima, se tornou um herói da independência na América Latina. Embora os líderes da revolução de 1817 tenham sido mortos, e a revolução sufocada, os seus ideais permaneceram vivos pelas décadas vindouras na terra dos altos coqueiros. No dia 10 de novembro de 1848 travou-se em Maricota a primeira batalha da Revolução Praieira entre os revoltosos praieiros e as forças do legalistas do governo. Um dos líderes desse movimento foi José Ignácio de Abreu e Lima. Político, escritor, jornalista e general, filho do Padre Roma, conhecido como o "Inácio pernambucano", ou como “general das massas”. Como era maçom, seu enterro foi vedado no Cemitério de Santo Amaro no Recife, e foi então sepultado no cemitério dos ingleses no mesmo bairro do Recife.

Cem anos depois, por sugestão do deputado Antônio Torres Galvão, o lugar que abrigou a primeira Batalha da Revolução Praieira, ou seja, Maricota, recebeu uma nova designação: Abreu e Lima. O então segundo distrito de Paulista recebeu este nome em homenagem aos 100 anos da Revolução Praieira. O deputado Antônio Torres Galvão, que era evangélico da Assembleia de Deus, e representando o povo de Paulista, enviou em 17 de novembro de 1948, para a sessão da Assembleia Legislativa, o Projeto nº 372, com o propósito de alterar a denominação da vila de Maricota, sede do 2º distrito de Paulista, para Abreu e Lima.[3]

Flávio Alves Leite de Souza
Historiador

* IMAGEM: Tela do carioca de Niterói Antônio Diogo da Silva Parreiras (1860-1937) sobre a revolta de 1817.


[1] Dicionário Biográfico de Pernambucanos Célebres, Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1982.
[3] SOUZA, Flávio Alves Leite de. De Maricota a Abreu e Lima: a história da cidade de Abreu e Lima. Recife: CEHM, Editora CEPE, 2019. Pág. 59.